Em entrevista exclusiva, goleiro conta trajetória repleta de desafios, sufocos e pênaltis defendidos, que o levaram de pupilo de camisa 1 do Tetra ao gol do Tricolor
Aos 21 anos, Tiago estreou no Brasileirão com a árdua incumbência de substituir o convocado Marcelo Grohe sob as traves do Grêmio. Ainda garoto, demonstrou a frieza de um veterano para selar a meta na vitória por 2 a 0 sobre o Sport, na quarta. A tranquilidade do início promissor pode até ter causado surpresa aos mais de 13 mil gremistas que compareceram à Arena. Mas não espanta quem o conhece desde que deixou a pequena Irati, no Paraná, em 2008, com apenas 15 anos e uma “mochila às costas”, para bater à porta das categorias de base do Tricolor. Parecia trazer na bagagem a segurança e o talento de quem conquistou a bênção do goleiro do Tetra, Taffarel, e o apoio do atual titular do Tricolor, ao assumir a posição.
Tiago sempre esteve exposto à pressão. Sua trajetória é povoada por momentos em que esteve no limite. Quando desembarcou em Porto Alegre, já passou pelo primeiro teste no clube. Uma surpresa superada com facilidade. Agarrou três cobranças de pênalti e ganhou um contrato. Sob a tutela do atual preparador de goleiros, Rogério Godoy, estreou pelo Grêmio logo em um Gre-Nal, na base. Voltou a pegar pênalti na casa do rival e conquistou a admiração de Taffarel, que hoje é preparador com Dunga e que acompanhava a partida e prontamente o adotou como afilhado. O garoto aprendeu com as provas de fogo. E quer mais.
Nas equipes menores, foi lapidado como a grande promessa para a camisa 1 gremista. No juvenil, chegou a permanecer 17 jogos em sequência sem sofrer gols. Só foi vazado por um gol contra. Em 2009, foi integrado para um período de testes no grupo principal. Em 2011, convocado para defender a seleção sub-21, recebeu homenagens em Irati - sua cidade natal é Rio Azul. Encarou tudo isso com a frieza e a personalidade herdadas do pai, o ex-goleiro Luiz Carlos Machowski, seu grande incentivador. Assim como Marcelo Grohe, de quem recebeu, direto da Ásia, cumprimentos em mensagem de celular após a boa atuação contra o Sport - foram cinco defesas difíceis na partida. Sincero, ainda admitiu um dos raros momentos de nervosismo de sua carreira.
- É uma sensação muito boa ouvir o hino dentro de campo. É uma adrenalina muito forte. Bate um nervosismo, que quem espera no banco não consegue mensurar. Mas é só a bola rolar, para tudo voltar ao normal - relata.
Tiago conversou com a reportagem do GloboEsporte.com nas sociais do Estádio Olímpico, sua primeira casa em Porto Alegre. Ainda no pátio, começou a receber o reconhecimento de um fã, que o parou para fazer um elogio à atuação e registrar o encontro com uma foto. Acompanhado da irmã, Cristiane, com quem divide apartamento em frente ao estádio, demonstrou a mesma segurança esbanjada nos gramados para relatar sua trajetória.
- Eu sempre joguei. Agora que estou ficando no banco é complicado. Não é comigo ficar sentado olhando os outros jogar. Gosto de estar jogando, mas respeito o Marcelo - pondera.
GloboEsporte.com - Tiago, você começou ainda garoto como goleiro em Irati, no Paraná. Como foi esse início?
Tiago - Eu comecei com meu pai. Ele atuava no veterano do São Vicente, um clube de amigos de Irati. Sempre que tinha amistoso, ele deixava eu jogar. Aí, desde pequeno, eu com 10 anos, jogava com os mais velhos, de 40. Sempre no gol. Jogar na linha não é comigo. Aos 11, fui para a escolinha do Olímpico, clube da minha cidade. Fiquei um tempo e depois fui para o futsal, quando joguei no Guarani de Ponta Grossa. Lá, fui campeão Brasileiro do sub-11, em 2004. Fiquei quatro anos com o Guarani, e voltei para Irati, mas não era aproveitado. Eles davam poucas oportunidades. Só treinava e ficava largado. Fui para lá mais para pegar ritmo e preparo. Lá, não aparecia proposta para mim. Chegou até a aparecer uma proposta para jogar futsal pelo Joinville, mas não queria futsal. Queria campo.
Você falou que não era muito aproveitado pelo Irati. Como você despertou o interesse do Grêmio?
Entre 2004 e 2008, eu revezei entre o Irati e o Olímpico, outro clube da cidade. Eu fui jogar um torneio com o Olímpico em 2008, em Ubiratã. Nosso time ficou em terceiro lugar. Lá, despertei o interesse do América-MG, que disse que ia me contratar. Quando voltei para casa, o pessoal do Irati me disse que queria assinar meu contrato. Caí na onda e fui. Joguei quatro partidas e, na hora de assinar, estávamos indo para um torneio do qual o Grêmio participava. O Grêmio levou o sub-15, e eu era o reserva da equipe sub-20. Lá, o pessoal do Grêmio me viu aquecendo e entregou um cartão para o meu preparador na época, Roberto de Bosque. Eu voltei para Irati na segunda-feira. Na terça, meu pai já tinha ligado para cá (Grêmio) e marcado o teste.
Meu pai marcou o teste para a quarta-feira. Cheguei sozinho, de ônibus, apenas com uma mochila nas costas. Meu pai me deu uns trocados. Fui à sala da categoria de base e o pessoal me falou que não sabia de nenhum teste. Na hora, pensei: “Estou sozinho. O que vou fazer aqui?”. Logo tocou o telefone, e disseram que precisavam de um goleiro na escolinha do Grêmio em Rui Barbosa. Me perguntaram minha posição e minha idade. Nem fizeram teste, me entregaram uma passagem e me disseram que tinha uma pessoa me esperando lá. Cheguei às 13h30 a Rui Barbosa. O jogo era às 14h. Tive que me trocar no carro. Joguei quatro partidas e salvei o time dos caras. A gente entrou na semifinal para enfrentar o Inter com medo. Eles haviam ganhado todas as partidas por pelo menos cinco a zero. Acabou zero a zero. Eu fechei o gol, peguei três pênaltis na decisão e até desperdicei uma cobrança. Acabou o jogo, dirigentes do Grêmio e do Inter entraram em campo para me contatar. Aí o pessoal do Grêmio falou: “Não. Você é nosso”. Eu fiquei surpreso. Na hora, já ligaram para o meu pai e disseram que tinha passado no teste. Me deu aquele alívio.
E a estreia pelo Grêmio, como foi?
Fiquei quatro meses no infantil. Meu primeiro jogo foi a final contra o Inter, no Gauchão. Com o Rogerião (Rogério Godoy, atual preparador de goleiros do Grêmio). Me lembro que estava todo mundo nervoso com o Gre-Nal. Falando para ter pegada. E eu falei: “Para mim é um jogo normal. Como um treino. Se eu quero ser jogador, não posso ficar nervoso com um jogo”. O pessoal todo duvidou. O primeiro jogo foi a final no Beira-Rio. Peguei um pênalti e um rebote. Depois da partida, os companheiros me falaram: “Pô, moleque, não sentiu nada, mesmo. Parabéns”.
Você conheceu o Taffarel enquanto jogador da base e ele te teve como uma espécie de “afilhado”. Como foi esse contato?
Ele assistiu à primeira partida. Peguei o pênalti e o rebote. Depois, ele falou comigo. É bem brincalhão. Disse que até ele pegava a cobrança. Aí, eu provoquei e pedi para ele entrar em campo e pegar. Ele me deu muitas dicas. Para ficar em pé. Disse que goleiro não tem que fazer firula. Tem que fazer o simples. Hoje, procuro fazer o simples. Tem bola que não precisa pular e fazer cena. Agora, ele foi para o Galatasaray e nós perdemos um pouco o contato.
Como foi sua chegada a Porto Alegre, na época, com 15 anos de idade?
Eu fiquei três meses no alojamento aqui das categorias de base. Depois já mudei de apartamento. Moro ao lado do Olímpico, atrás do portão 10. Sempre morei sozinho. O meu empresário, Paulo Roberto (ex-jogador campeão do mundo no Grêmio), alugou para mim.
O Paulo Roberto foi uma espécie de segundo pai para você?
Ele me ajudou bastante. Vivia na casa dele. Eu morava sozinho aqui, né. Foi meu segundo pai. Acabavam os jogos no fim de semana, e eu sempre ia para a casa dele.
Em sua passagem pelas categorias de base, você foi sempre titular. Como você encara a reserva na equipe profissional?
Então, eu sempre procuro jogar. Treino o máximo possível para jogar. Fiquei oito anos no clube e nunca fui reserva. Eu sempre joguei. Agora que estou ficando no banco é complicado. Não é comigo ficar sentado olhando os outros jogar. Gosto de estar jogando. Gosto de estar na Arena, mas respeito o Marcelo. Ele está em uma fase que não tem o que falar. É goleiro de seleção por mérito. O momento é dele. Estou correndo atrás. Sou novo, mas oportunidade aparece. Quando aparecer, tem que dar conta.
Seu pai, Luiz Carlos Machowski, foi goleiro do Paraná nos anos 80. É inegável dizer que ele exerceu influência sobre você…
Ele sempre me ajudou. Esse ponto, de ficar tranquilo nos jogos. Peguei do meu pai. Desde o inicio me incentivou a ser goleiro. Não me obrigou. Desde que comecei a ter a visão foi porque eu quis. Vi ele jogar e queria ser igual a ele. O que ele não conseguiu, eu estou conseguindo. Graças à ajuda dele. Eu jogava quinta, sexta e sábado, e ele estava sempre atrás do gol me ajudando. Estou realizando o sonho dele.
Ele assistiu à sua estreia no Brasileirão na Arena?
Não. Ele teve de voltar para o Paraná. Mas lá, ele assistiu à partida com os amigos. Depois, me ligou e disse: “Isso, você aprendeu comigo”.
Você foi convocado duas vezes para as seleções de base. Como foram as experiências?
Eu fui convocado em 2011, para disputar a Copa Mediterrâneo, com a equipe sub-21. Foram sete jogos. Eu revezava com o César, do Flamengo em todos os jogos, menos na final, que ele foi titular. Me lembro que estava de férias em Irati, quando um amigo me falou da convocação. Eu falei: “Tu está louco?”. Depois, conferi na internet. Foi uma alegria. Fui o primeiro atleta da minha cidade a ser convocado. Fizeram homenagem, faixa, um monte de coisas. Em 2009, tinha sido convocado, mas o Grêmio cortou. Tinha recém subido para o profissional. Fiquei triste, mesmo estando no profissional, mas acabei me dando bem.
Como foi essa passagem pelo profissional, em 2009?
Um dos goleiros se machucou, e o sub-20 estava viajando. Então, me promoveram, e eu fiquei oito meses. Tinha 16 anos e quase fui relacionado para duas partidas, mas o Matheus acabou retornando à equipe. Naquela época, convivia com o Victor, então melhor goleiro do Brasil. A gente se dava bem. Até ia na casa dele. Os goleiros sempre se dão bem. São muito unidos.
Como você recebeu a notícia de que seria o titular contra o Sport?
O Felipão nos passou a escalação na terça-feira. Disse que eu seria titular e me pediu para ficar tranquilo em campo e para fazer o que vinha demonstrando nos treinamentos. Antes, estávamos ansiosos, eu e o Léo. Dando tudo da gente nos treinamentos.
E o Rogerião? O que ele te passou antes da partida?
Falou comigo durante 30 minutos ontem. Antes do jogo, conversou bastante. Para ele é uma honra. Sou o primeiro goleiro que ele aprova ainda no infantil e que estreia no profissional. É uma honra para ele e para mim. Sou amigo dele fora do clube. O cara merece. Está no Grêmio há nove anos.
Você conviveu com algumas lesões nas categorias de base. Como foi superar essa fase?
A pior que tive foi do ombro, em 2012. Fiquei sete meses parado. Foi na Taça São Paulo de Futebol Junior. Estava 5 a 0 para a gente. Teve um pênalti para eles. Peguei de mão trocada e caí em cima ombro. Me arrependo até hoje de ter defendido o pênalti. Foi na época em que estava em alta. Voltando de seleção de base em 2011.No primeiro jogo em 2012. Graças a Deus, fiz a cirurgia, inseriram quatro pinos no meu ombro e nunca me incomodou. Foi o Márcio Bolzoni (médico do Grêmio) que fez. Agradeço até hoje.
Você chama a atenção por ter um tipo físico mais “encorpado”. Houve alguma cobrança sobre excesso de peso?
Sempre. Minha estrutura sempre foi essa. Não vai mudar. Não é por que todo mundo fala que vou mudar meu estilo. Sou assim e sempre vou ser. Até hoje tem cobrança. É meu tipo. Sou o primeiro a chegar para o treino. Treino bastante. Faço muito mais ainda. Cuido da alimentação. Sempre cuidei. Antigamente, não cuidava tanto. Agora, estou me cuidando. É do meu corpo que preciso para trabalhar. Mesmo me cuidando, sou assim. Não vou mudar.
Titular contra o Sport, presença encaminhada contra o Palmeiras. Qual o próximo passo, depois da volta de Marcelo?
Vou seguir treinando e trabalhando forte. O que eu quero é jogar. O Marcelo tem dois cartões amarelos, então tenho que estar preparado para entrar quando for chamado.
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