sexta-feira, 6 de março de 2015

O sucesso dos goleiros canhotos nas balizas de futebol

Canhotos-heterogêneos ou com lateralidade cruzada estão cada vez mais ocupando o espaço onde a grama não nasce

 O crescente aumento de goleiros que têm a preferência pedal esquerda nos últimos tempos é retumbante. Em décadas passadas, não havia um número tão expressivo de guarda-metas que usassem a perna esquerda como a sua preferencial. Naqueles tempos, se um futebolista canhoto de perna fosse deslocado para debaixo dos paus, o treinador estaria cometendo heresia. Era inadmissível desperdiçar um canhoto com uma posição sem tanta a necessidade do uso da perna.

Lembro-me, quando ainda jogava na posição, pouco se via canhotos (que chutassem com a perna esquerda) atuando na posição número um. Fazendo um exercício rápido de memória, listo três da época (anos 80 e 90): Zubizarreta, goleiro da seleção espanhola nas Copas do Mundo de 1986-1998. Fabian Barthez, campeão mundial pela França em 98 e o paraguaio Chilavert, exímio cobrador de faltas e pênaltis, e muito bom dentro da sua grande área.

A história nos mostra que jogadores canhotos, por exemplo, Maradona, Messi, Rivaldo, Rivelino, Bale, Robben, entre outros, foram e são fora de séries em relação ao tratamento dispensado à bola. Não que os destros não o fizeram ou o façam. Fazem também. Mas se partirmos da premissa que para um canhoto chegar ao topo ele concorre com outros nove destros. Sendo assim, fica bem mais difícil a escalada, pois apenas entre 10 e 12 por cento da população mundial tem a preferência inata do membro esquerdo. Isso deixa um pouco desequilibrado na seleção natural das coisas. Porém, esta é conversa para outra hora. 

Vamos ao campo de jogo, outro fato, para que haja equilíbrio no jogo, o flanco esquerdo precisa ser ocupado com um atleta que utilize a perna esquerda. Usar um destro neste local entorta o time; portanto, uma das primeiras coisas a ser avaliada no futebol é qual a perna que o jogador utiliza. Muitas vezes não importa tanto a qualidade, mas sim a estabilização do jogo. Desta forma, quando surge um canhoto, ele vai para o lado esquerdo do campo e não desperdiçado defendendo a meta.

Outra vertente, na base da ciência, aponta que canhotos são mais habilidosos e inteligentes que os destros. Fora publicado artigo científico produzido por pesquisadores da Australian National University (ANU) e que teve publicação no jornal Neuropsychology, apresentando que sinistros processam informações dos mais variados estímulos em um menor tempo do que os destros. Outro estudo na área realizado por cientistas da Faculdade de Desporto Universidade do Porto, em Portugal, demonstrou que destros e canhotos diferem quando comparados em algumas tarefas motoras, parecendo os canhotos usufruir de alguma vantagem em tarefas visuo-motora. 

Erradamente, em relação à dominância lateral, pensa-se que o destro tem o seu controle total pelo hemisfério esquerdo e o canhoto pelo hemisfério direito do cérebro. O cérebro em relação à dominância lateral tem algumas características peculiares. Enquanto, os destros-homogêneos – aqueles que utilizam como preferência pé, mão, olho e ouvido direitos – têm como controlador o hemisfério esquerdo em sua totalidade, os canhotos-homogêneos ou com lateralidade cruzada (por exemplo, canhoto de pé e destro de mão) tem 40 por cento do controle pelo hemisfério direito. 

Depois de alguns entendimentos sobre a condição de dominância lateral, vamos aos arqueiros. Relembrando, para um goleiro canhoto-homogêneo ou com lateralidade cruzada – perna esquerda preferencial - ter sucesso, ele concorre com outros nove destros em média. Se pegarmos a lista dos goleiros da Bola de Prata - 20 times que disputaram o campeonato brasileiro da série A de 2014 – teremos os goleiros canhotos em um número absurdo. A primeira posição foi ocupada pelo destro Marcelo Grohe do Grêmio. Em seguida três canhotos, Paulo Victor (Flamengo), Jefferson (Botafogo) e Victor (Atlético-MG). Resumindo, dos vintes primeiros, onze são destros e nove canhotos. Em percentuais 55% destro e 45% sinistros. Entretanto, lá na base, a concorrência seria 88-90% destro e 10-12% canhoto.

A escola de goleiros do Brasil tem produzido excelentes jogadores canhotos para posição no alto rendimento. Fato é que a Seleção Brasileira teve em seu plantel na Copa do Mundo de 2014, Júlio César, hoje no Benfica de Portugal, Jefferson e Victor. Já teve Dida (Inter), Cássio (Corinthians), Diego Alves (Valência) e Cavalieri (Fluminense). Marcelo Lomba (Ponte Preta) e Muriel (Inter), entre tantos outros, na Seleção Brasileira de base.

No âmbito mundial, podemos exemplificar com guarda-metas de grandes equipes de equipes europeias: Thibaut Courtois (Chelsea/ENG), Petr Čech (Chelsea/ENG), Iker Casillas (Real Madri/ESP), Hugo Lloris (Tottenham/ENG), Roman Weidenfeller (Borússia Dortmund/ALE), Bradley Guzan (Aston Villa/ENG), Emiliano Viviano (Sampdoria/ITA), Timothy Krul (Newcastle/ENG), Federico Marchetti (Lazio/ITA), entre outros.

Não há como explicar duramente como se dá o sucesso dos goleiros canhotos ou ambilaterais; no entanto, o que se pode entender está ligado aos caminhos neurais, à plasticidade cerebral em relação à mão, pé de preferência ou olho. O que deve ocorrer é uma melhor distribuições desses caminhos o que torna mais rápida a resposta para qual lado for, o que melhora a habilidade óculo-manual e óculo-pedal, parecendo ser um jogador mais completo. Empiricamente, os goleiros estariam em melhores condições para intervenções de diferentes estímulos, pois ao usar os dois hemisférios do cérebro, possuem um processamento informativo e a resposta mais rápida e precisa. 

Em síntese, esses cruzamentos de informações, em tese, no plano encefálico, melhora a orientação, sensibilidade e percepção, acarretando um ótimo desenvolvimento motor. Portanto, podemos ver como certa a proficuidade que capacita os porteiros canhotos a levar vantagem em relação aos destros-homogêneos.

3 comentários:

  1. Muito bom texto. Já havia notado isso, mas nunca me aprofundei. Estimulei a discussão em um grupo de futebol, bastante gente se interessou.

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    1. Obrigado, Bernardo KK. O interesse e discussões em temas como este devem elevar a qualidade do nosso futebol.

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  2. Estava pesquisando o porquê de tantos goleiros canhotos. Excelente texto, principalmente por abordar a metodologia científica. Sugiro apenas que cite as fontes. Parabéns!

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