Hackney Wick FC já disputou a Copa da Inglaterra e assiste mais de 170 pessoas da comunidade
Bobby Kasanga diz que era bom de bola. Rodou por alguns clubes das divisões mais baixas do futebol inglês, mas viu o sonho de virar jogador profissional parar atrás das grades. Depois de duas prisões por roubo e um total de oito anos na cadeia, decidiu que mudaria não só a própria vida, mas dos jovens da comunidade em que foi criado. Nasceu assim o Hackney Wick FC.Hackney está em processo de revitalização, mas ainda é um dos bairros mais violentos da zona leste de Londres. Sofre com a ação de gangues, e 36% da população vive na pobreza. Para evitar que outros jovens seguissem o caminho do crime como ele, Bobby decidiu criar o clube de futebol um mês depois de cumprir a última pena, em março de 2015.
Em quatro anos de existência, o time semiprofissional já disputou duas vezes a fase preliminar da Copa da Inglaterra. Nesta temporada veio a primeira vitória na competição. Está no equivalente à 10ª divisão na pirâmide do futebol inglês.
- Estraguei minha carreira porque me envolvi com gangues, crimes com faca. Enquanto eu estava na prisão eu percebi quantos jogadores talentosos estavam na prisão desperdiçando o potencial. Eu decidi que, uma vez fora, eu criaria um time de futebol para dar a essas crianças uma plataforma esportiva e para ficarem fora das ruas e longe de problemas.
Bobby foi atraído pelo mundo do crime porque queria ter tênis da moda iguais aos do irmão, que já estava envolvido com gangues. Só na segunda passagem pela prisão ele se deu conta de quão errado era o caminho que tinha tomado. Encarcerado, perdeu os primeiros passos e palavras da filha mais velha. Decidiu que era hora de mudar.
Ainda na cadeia fez cursos sobre criminologia e política social e escreveu dois livros. Em liberdade, bateu de porta em porta pedindo doações para custear a formação do clube. Conseguiu o aluguel das quadras por metade do preço junto à subprefeitura e deu início ao projeto, que hoje atende 170 crianças e adolescentes em 18 times masculinos e femininos, desde a base ao profissional. Ninguém recebe salários, só ajuda de custos.
- Se formos subindo na liga e conseguirmos mais financiamento, ficaremos felizes em pagar nossos jogadores. Mas ao mesmo tempo estamos felizes onde estamos pelos aspectos sociais. O clube de futebol tem grandes ambições, mas o mais importante para nós, além dessas ambições, é manter os jovens ocupados. Se eu, um criminoso condenado, posso sair da prisão e começar meu próprio clube e em menos de quatro anos fazer isso, o que vocês podem fazer com ficha limpa?
Todos são bem vindos para integrar o projeto. Na esperança de tirar as crianças das ruas, mesmo quem não vai bem na escola tem a chance de participar. Mas é preciso dar uma contrapartida e contribuir com a comunidade. Não se trata de dinheiro, mas de trabalho voluntário.
- Pode ser alimentar um sem teto, ir a um abrigo de idosos, a um hospital. Todas essas coisas, tirar os garotos locais das ruas dando a eles atividades positivas. Se eles fizerem essas coisas podem vir e jogar futebol.
Isso vale também para quem, assim como Bobby, tem uma condenação nas costas. Platini tem 27 anos e passou um ano na prisão. Hoje está em liberdade condicional e usa tornozeleira eletrônica. Durante o dia trabalha como carpinteiro na construção civil, e à noite treina no clube.
- Bobby é um grande exemplo, um grande líder. Ele também esteve no crime, nas gangues. Ele nos guia, nos ensina a ir na direção certa.
A iniciativa cada vez mais ganha reconhecimento público e foi visitada pelo prefeito de Londres, Sadiq Khan. No ano passado, Bobby recebeu um prêmio de reconhecimento especial do "Orgulho do Esporte", evento organizado em parceria do Jornal Daily Mirror e do Sport England, órgão governalmental equivalente ao Ministério do Esporte.
Por Helena Rebello e Rogerio Romera — Londres, Inglaterra